23 fevereiro 2011

Zeca Afonso




"Provavelmente, o mundo está mesmo feito às avessas! Anda um tipo como este Zeca a vida inteira a dar a voz e o corpo pelas causas dos outros, passam-se anos a fio de viola às costas a cantar as utopias sonhadas no dia-a-dia, e acaba tudo assim. Estupidamente, numa madrugada de chuva indecisa, como se nada tivesse acontecido antes, como se todo o passado não fosse senão um sonho longínquo.

Nós, no entanto, sabemos que não foi um sonho. Crescemos a ouvir Menino de Oiro e Os Vampiros, aprendemos de cor os versos de Vejam Bem e de Grândola. Aprendemos, com o Zeca Afonso de todos os cantares andarilhos, a saborear o gosto dos encantos e das emoções, a desejar e a lutar pelas cores da liberdade.

Com Zeca e os seus companheiros aprendemos, ainda, que é muito menos fácil formular perguntas que encontrar respostas. Que as veleidades da ‘vida artística’, na qual ele nunca se encaixou, são como os foguetes de romaria, que desaparecem no ar após um instante de brilho e que, portanto, o importante é estar vivo, ter como única certeza a inquietação permanente.

Há coisas assim, que parecem impossíveis. Depois vêm as inevitáveis cortesias-de-velórios, mas quanto a isso estamos conversados. Afinal somos um país de homenagens póstumas, não é? Que o digam o Adriano, Jorge de Sena, Fernando Pessoa. Que o diga agora o Zeca, ele que foi sempre tão dado a encolerizar-se com estas coisas.

Veja-se a Televisão, que esperou a sua morte para mostrar, lacrimosa, as suas cantigas. Veja-se o poder, que tudo lhe negou em vida, para descobrir agora (só agora, ó céus?) que, afinal, Zeca é um símbolo da democracia e da resistência antifascista! E proclama hossanas em sua glória, como se já não bastasse a dor que ficou.

Felizmente, os que aprenderam com Zeca as mais belas lições de liberdade já se aperceberam também de todo o ridículo que se esconde por detrás destes lamentos hipócritas. E sabem que José Afonso, poeta e trovador, não é dos que morrem assim, sem mais aquelas.

Sabemos que o sonho permanece, em cada esquina, em cada rosto, em busca da terra da fraternidade. Quanto a ti, Zeca, faz como sempre fizeste até aqui: não lhes ligues, ri-te deles, lá desse cantinho onde agora te encontras, provavelmente a contar ao Adriano as últimas cá de baixo. Afinal, já sabes como é: o mundo está mesmo feito às avessas. Se assim não fosse ainda agora por cá te teríamos, a mandar vir como era teu hábito contra “essa cambada engravatada e escolopêndrica” que insiste em controlar a gente. E até vão fazer de ti nome de rua, imagina!

Olha: lá fora, aqui mesmo a dois passos desta mesa de onde te recordo, há um pássaro a recolher-se da chuva que, teimosa, vai caindo. Ou serão lágrimas? Seja como for, o pássaro é igualzinho a ti: por mais que tentem, ninguém consegue impedi-lo de voar.."


Viriato Teles - Jornal  "Sete" de 25 Fev 1987


11 fevereiro 2011

Aldónio Gomes


"Segredos da nossa casa"

Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou cair cinza em cima do seu cão.

O cão queixou-se:

__ A senhora, por favor, não me queime!

Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira...

Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas o pau também falou:

__ O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe!

A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que se tinha passado com o cão e o pau.

Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a:

__ Não saias daqui e pensa no que aconteceu. Os segredos da nossa casa não devem ser espalhados pelos vizinhos.

A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o almoço com ele.


Comentário : é fundamental sabermos conviver uns com os outros, assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...


"Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas",    Aldónio Gomes, 1999   



"A minha homenagem ao Professor, Dr. Aldónio Gomes". De entre outras actividades e cargos que desempenhou, destacam-se as de antigo Director da Escola Industrial e Comercial de Santarém, Director da Telescola (1965-1972), participante regular no programa televisivo Acontece de Carlos Pinto Coelho, Membro da Comissão Nacional de Língua Portuguesa, Presidente da Direcção da Associação dos Professores de Português e Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário no V Governo Constitucional de Maria de Lurdes Pintasilgo.


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05 fevereiro 2011

Armazém Leonino!



Nas mais variadas actividades que a vida  proporciona, há  situações criadas a  que se convencionou chamar de "bons a maus momentos". Nem sempre as coisas  correm de feição e por vezes os resultados ficam aquém das expectativas! Mas desanimar também não é solução! Há  é que acreditar que os bons momentos são novamente possíveis! Revivê-los, numa espécie de limpeza de alma, pode ajudar imenso a saír de uma certa melancolia que teima em não se afastar do caminho! Afinal, se já foi possível estar entre os melhores, porque não também agora???!!!!

Vem  a propósito,  este   Armazém Leonino  que eu recomendo vivamente aos mais sofredores simpatizantes do SCP !!!